Dias frios e os pensamentos intrusivos

15-12-2023

"Os compridos dias de agosto tornaram-se nas intermináveis noites de inverno, o amanhecer antes consolador é agora motivo das minhas murchas emoções que gelam a alma de qualquer um"


  Finalmente dei conta que o verão terminou, e com isto, dou as boas-vindas aquilo que apelidei "depressão fim de verão", tal expressão traduz o luto interno que vivo todos os anos durante o mês de outubro e que só tem fim em dezembro quando, por uma força maior, volto a sorrir motivada pelas luzes e decorações que vestem a cidade. Mas infelizmente, nem o Natal me faz esquecer a alegria naturalmente contagiante do verão.

Foram-se os tempos em que acordava de janela aberta porque adormecia com a reconfortante brisa quente das noites abafadas de agosto, foram-se os tempos em que as manhãs eram toleráveis e até de certo modo agradáveis, chegavam a ser razão suficiente para acordar cedo, só para poder ter a oportunidade de receber aqueles raios solares matinais aconchegantes. Foram-se os tempos em que despendia todas as horas do meu extenso dia de praia a ler romances lamechas adolescentes, a ouvir as ondas que rebentam nos grandiosos rochedos da foz, a pensar inocentemente no que se segue a seguir à linha do horizonte que delimita o mar, a dormir, a namorar, generalizando, a existir.

A verdade é que já se foram os dias longos e com eles a melhor estação do ano.

Os compridos dias de agosto tornaram-se nas intermináveis noites de inverno, o amanhecer antes consolador é agora motivo das minhas murchas emoções que gelam a alma de qualquer um, os dias antes passados em esplanadas de madeira com restos de areia à beira-mar, foram trocados pelo sofá repleto de mantas, numa sala decorada com janelas embaçadas onde me distraio a fazer mil desenhos com os dedos para os vizinhos contemplarem.

Agora existo à base de chocolate quente, peúgas gastas, écharpes acolhedoras, camisolas de lá confecionadas com todo o amor pela minha avó, que se sente na pele, efeito decorrente da urticária que proporcionam, e ainda pelas sessões de cinema em família a ver filmes repetidos alusivos ao Natal que nunca perdem a graça enquanto se ouve Mariah Carey em "Loop" infinito.

Enquanto escrevo percebo que possa transparecer que desgosto desta época festiva, o que de facto não é verdade, adoro o Natal e o espírito natalício que encarna toda a gente, ou quase toda, que move as pessoas em prol de um motivo de força maior que é o convívio e as relações, sejam elas familiares ou de amizade, que por sua vez juntam as famílias, também quase todas, à volta de uma mesa repleta de comida que faz os olhos saltarem e as bocas babarem enquanto os miúdos correm incansavelmente à volta desta, até que por fim mostram-lhes os presentes que o Pai Natal trouxe, só para os meninos bem-comportados que não berram nem correm desesperadamente à hora do jantar em torno da mesa.

Dezembro é um mês especial, pois, a meu ver, funciona como uma recarga de energias a meio de um período mais esmorecido e com pouco sol que consome o meu espírito à medida que a chuva cai e as temperaturas baixam a pique, contudo, a verdade é que já não é agosto, e apesar da semelhante energia natalícia, também contagiante, ainda sofro bastante o inverno e vivo em recordações de tempos que são o contraste máximo da vivência que hoje tenho.

Continuo a ir à praia, mas agora sento-me dentro do café que outrora fora bar de praia e observo com um olhar feliz e esperançoso as marés e o areal vazio de gente, enquanto imagino como estará este cenário, sempre encantador, quando o verão regressar.


Beatriz Veloso

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